A pobreza atinge cerca de 55 milhões de brasileiros, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Aqueles que estão na extrema pobreza são 13,5 milhões. O dado, mais que um triste retrato social, representa a necessidade de um gasto público que tem colocado a equipe econômica contra a parede.
A equipe técnica reconhece: a pandemia de Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, vai empobrecer as famílias brasileiras. O Ministério da Economia estima que somente o Bolsa Família, programa de distribuição de renda, terá alta de 15% no número de famílias que serão atendidas em 2021 e chegará a 15,2 milhões de beneficiários. Este ano, a previsão é de 13 milhões.
Por tudo isso, o orçamento específico do Bolsa Família, administrado pelo Ministério da Cidadania, teve um aumento de 18% na proposta da Lei Orçamentária Anual (LOA) entregue nessa segunda-feira (31/8) ao Congresso. Com isso, o programa tem previstos R$ 34,8 bilhões para 2021 — R$ 5,37 bilhões a mais que este ano, quando foram reservados R$ 29,4 bilhões.
O secretário de Orçamento Federal, George Soares, explica a alta. “O aumento que se dá é fundamentalmente é o aumento do Bolsa Família. Por uma questão socioeconômica, se prevê o aumento das famílias que entram nos critérios de admissibilidade do programa”, detalha.
Por ano, o governo federal gasta R$ 265 bilhões com programas de ação social, segundo dados do Tesouro Nacional. Em média, os custos diários chegam a R$ 726 milhões.
O atual dilema é de onde tirar mais dinheiro, respeitar o teto de gastos, que é o limite de despesas da administração federal, e ao mesmo tempo aumentar o número de beneficiários.
A intenção do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é criar um novo programa social e unificar pagamentos, o chamado Renda Brasil. O governo ainda não tem o projeto finalizado. Uma proposta foi recusada por Bolsonaro, e o Ministério da Economia ainda não apresentou outra. Como a discussão não avançou, o programa ficou fora da projeção de gastos para 2021.
A ideia inicial para o Renda Brasil era de pagar um valor de R$ 300, incluindo até sete milhões de famílias no escopo do atual Bolsa Família, que paga um benefício médio de R$ 193. Para chegar a esse valor, no entanto, o ministro da Economia, Paulo Guedes, e equipe previam uma série de cortes ou extinções em programas tradicionais, como o salário-família e o seguro-defeso (para pescadores). Bolsonaro não gostou, e exigiu alternativas.
“Trabalhamos com os programas existentes. Se o Renda Brasil estiver na formatação desenhada, com a absorção do Bolsa Família, (o recurso) vai para o Renda Brasil. O PLOA 2021 traz a estimativa com o Bolsa Família, mas não tem outro programa social. Ele está sendo discutido”, frisa o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues Júnior.
O secretário admite que o novo programa está no foco do governo e explica que como se trata de despesa primária, a regra é diminuir um gasto para realocar no Renda Brasil.
Atenção com mudanças
O sociólogo Antônio Carlos Mazzeo, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), alerta que a situação excepcional desencadeada pela pandemia de Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, exige atenção, sobretudo quando se refere à distribuição de renda.
“Nesse momento, a prioridade é acolher as vítimas da pandemia. A política econômica já vinha atingindo a população mais pobre. Não dá para tocar o barco com a pauta liberal como está estruturada”, destaca. O especialista explica que até mesmo a discussão do teto de gastos pode ser questionada e debatida entre o governo e o Congresso. “Vivemos uma situação excepcional. Faz sentido manter o teto durante uma crise em que se precisa de recursos para população?”, pondera.
Para ele, qualquer mudança em programas sociais precisa ser cautelosa. “É preciso rever com muita profundidade, ajustando o recurso e sem maquiar os programas que já existem”, defende.