“Estamos em uma situação deprimente com Bolsonaro”, afirma Caetano Veloso

Uma entrevista de Caetano Veloso ao jornalista Pedro Bial alimentou por dias uma polêmica inútil e despropositada e apresentou a uma parte do Brasil dois personagens: o filósofo italiano Domenico Losurdo e o jovem historiador Jones Manoel, famoso por seus vídeos no YouTube.

Caetano, em certa medida, ao admitir que era “muito liberaloide”, mas deixou de ser, foi tratado como um tolo que emprestou sua fama para difundir as ideias perigosas do stalinismo. Como se sabe, o comunismo pode até ter acabado, mas o anticomunismo nunca esteve tão vivo. Durante a celeuma, uma parcela do jornalismo que se pretende crítica de Bolsonaro aproximou-se perigosamente do inimigo. Foi impossível detectar uma diferença substancial entre o nível dos argumentos de quem se horrorizou com as declarações de Caetano e a paranoia ignorante e delirante do ex-capitão e sua boiada. Tristes trópicos, diria Claude Lévi-Strauss.


Por causa da balbúrdia, CartaCapital convidou Jones Manoel não a entrevistar, mas a conversar com Caetano Veloso. O resultado você confere a seguir:



Jones Manoel: Caetano, por muito tempo você falou da importância que o Brasil tem de ensinar elementos positivos para o mundo. Como vê hoje o nosso papel no mundo?


Caetano Veloso: Eu tenho um otimismo programático em relação a isso. O otimismo programático nos leva a ter responsabilidade. Porque o pessimismo, pode ser muito útil para alimentar as críticas e tentar resolver os problemas, porém ele exime todo mundo de responsabilidade. Para responder sua pergunta, eu posso te dizer que o Brasil é uma oportunidade que pode ser de grande valia para a história do mundo, se nós tivermos a coragem de querer. Porque veja bem, é um país de dimensões continentais no hemisfério sul, altamente miscigenado, tem a maior população negra fora do continente africano. Nós falamos português, que é, como coloquei na letra de uma canção nova minha, inclusive uma louvação da miscigenação. Temos a peculiaridade dos portugueses que nos colonizaram terem chegado por caminhos bem lusitanos, diferente dos outros colonizadores das Américas. Essas coisas nos dão uma ideia de oportunidade de apresentar alguma coisa inovadora na movimentação da raça humana sob o planeta Terra.



JM: Acha que a atual situação do País é muito mais um reflexo da onda global ou é algo particular, nosso? Não estamos em uma situação pior do que se vê em outros lugares?


CV: Não posso apreciar, julgar, se aqui está pior do que nas Filipinas ou do que na Hungria. Eu não tenho certeza, mas possivelmente estamos em uma situação muito ruim politicamente, quase deprimente desde que o Bolsonaro foi eleito. Eu acho que o Brasil está passando não é só reflexo de uma onda mundial, porque tem elementos internos que contribuem para termos essa experiência particular nossa que pode ser vista como uma prova que mais uma vez o Brasil é um país inferior a todos os outros, o que dá um alívio para muitas pessoas, porque as exime de responsabilidade. A desimportância dada ao Brasil é estratégica também, por eles e por nós.



JM: A esquerda brasileira vai conseguir formar uma geração que tenha, finalmente, ousadia para enfrentar as seculares estruturas de acomodação e conciliação da política brasileira?