Brasil é o pais que mais mata transexuais, pelo 12° ano consecutivo

“Ela era uma pessoa carinhosa, amorosa. Não sei nem como descrever a minha filha. Deixou muitas amizades, trabalhava do jeito dela. Era uma cozinheira de mão cheia!” As lembranças de Lucilene Duarte Pereira sobre a filha, Chiara Duarte Pereira, são muitas. As boas memórias, no entanto, dividem espaço com a dor.

Em setembro de 2020, Chiara foi assassinada. A mulher de 27 anos teve o corpo esfaqueado e jogado da janela do 7º andar de um prédio em São Paulo. Quem cometeu o crime foi o vendedor ambulante Jeferson Pereira, de 18 anos. Ele foi preso em flagrante.

Chiara foi uma das 175 pessoas transexuais e travestis assassinadas no Brasil em 2020. Nesta sexta-feira (29/1), data em que se celebra o Dia da Visibilidade Trans, a Associação Nacional de Transexuais e Travestis (Antra) lançou um dossiê sobre a violência contra essa comunidade no país.

Pela 12ª vez, o Brasil seguiu ocupando o primeiro lugar no ranking dos países que mais matam transgêneros no mundo. Além disso, o número de assassinatos de mulheres trans e travestis é o maior desde 2008 — ano em que o dado começou a ser registrado.

Chiara (ao centro), a tia (à esquerda) e a mãe, Lucilene (à direita)Arquivo Pessoal

Chiara Dutra Pereira foi assassinada em setembro de 2020. Ela foi esfaqueada e jogada do 7º andar de um prédio. Chiara, o irmão mais novo e a mãe, Lucilene Dutra. Segundo a mãe, Chiara tinha constante medo de agressões por ser transexual.

Se considerada toda a população trans (homens e mulheres), o ano com maior número de assassinatos é 2017, com 179 mortes. Em 2020, não foi registrado esse tipo de crime contra homens transexuais, o que pode ser explicado diante da falta de dados oficiais dos governos e da subnotificação, segundo a Antra.

Por isso, o levantamento contou apenas com as mortes de mulheres.

Outro dado alarmante tem relação com a média de assassinatos: aproximadamente 122 crimes a cada ano, no período de 2008 a 2020. No último ano, o número registrado se tornou 43,5% maior que a média.

O levantamento também mostra que São Paulo foi o estado que mais matou pessoas trans em 2020: 29. Em seguida, aparecem Ceará, com 22 crimes; e Bahia, com 19 mortes no ano passado.

Dor

“Quero me cicatrizar dessa dor que estou passando, tá muito forte. Eu choro todos os dias. Quero justiça”, pede Lucilene. Ela conta que, apesar de não concordar com o trabalho da filha — Chiara garantia a renda por meio da prostituição —, sempre a apoiou.

“Depois que ela se assumiu trans, eu passei a amar mais ainda, porque sabia o que ela iria passar, que sofreria preconceito na rua”, explica a mãe, de 44 anos.

Lucilene lembra que o medo de sofrer violência era constante na vida Chiara. “Ela falava que o tempo dela estava curto, que a qualquer hora iria acontecer alguma coisa. Ela estava sendo ameaçada, não queria me falar, mas comentava o tempo todo que o tempo dela aqui na Terra estava acabando. Dói falar sobre isso, mas é a realidade”, relata.

Segundo o levantamento da Antra, 72% dos assassinatos em 2020 aconteceram contra travestis e mulheres transexuais que eram profissionais do sexo. A pesquisa mostra que o preconceito, a falta de oportunidades e a escassez de políticas públicas faz com que essas mulheres encontrem a prostituição como única forma de sobreviver.

“É exatamente dentro desse cenário em que se encontram a maioria esmagadora das vítimas, tendo sido empurradas para a prostituição compulsoriamente, pela falta de oportunidades, encontrando-se em alta vulnerabilidade social e expostas aos maiores índices de violência, a toda sorte de agressões físicas e psicológicas”, pontua a pesquisa.

É justamente por políticas públicas e ações governamentais que a mãe de Chiara pede.

“Essa violência tem que acabar. São assassinadas, muitas vezes são enterradas como clandestinas, de qualquer jeito. Nem dão serviço para elas direito, não dão nem oportunidade. A minha filha, mês que vem, faria 28 anos. Ela foi muito jovem. Não quero que ela seja esquecida e quero lutar para que o que aconteceu com ela não aconteça com outras”, defende Lucilene.