Amil é colocada à venda e usuários do plano são impedidos de realizar tratamentos

Quando o UnitedHealth Group comprou a Amil, em 2012, por R$ 10 bilhões, a expectativa era de que uma das maiores operadores de planos de saúde do Brasil recebesse investimentos, fizesse aquisições, ganhasse mercado e ampliasse suas receitas em pelo menos 10% ano a ano. O prognóstico positivo estava amparado no fato de o controle da empresa brasileira estar com uma gigante americana, com forte governança e bem estruturada financeiramente para fazer os aportes necessários e colocar o plano de crescimento em prática.

Dez anos após a entrada no País, o UHG arruma as malas para deixar o Brasil e coloca a Amil à venda. Por ironia, segundo fontes do mercado, os principais problemas que levam a companhia a tomar a decisão são justamente processos de gestão falhos e falta de interesse em colocar recursos na operação para fortalecer a operadora. Em jogo estão 15 unidades hospitalares, 53 ambulatórios, 1,2 mil hospitais credenciados, 7,4 mil laboratórios e centros de diagnósticos credenciados, 19,5 mil colaboradores, 2,9 milhões de beneficiários de planos de saúde (que colocam a empresa como a terceira maior do Brasil no setor) e 2,19 milhões de assinantes de planos odontológicos. O futuro dessa rede e dos usuários passou a ser uma incógnita e está envolto em algumas polêmicas.

Polêmica

Para vender a Amil e se desfazer da batata-quente sem prejuízos, o UnitedHealth Group tem adotado ações polêmicas. Uma delas é a alteração dos cerca de 340 mil beneficiários de planos individuais – linha de negócios deficitária porque os reajustes estão limitados pela Agência Nacional de Saúde (ANS) – para a empresa de investimentos Fiord Capital, que ficou com a carteira e ainda recebeu R$ 3 bilhões para isso. A operação seria associada à operadora Assistência Personalizada à Saúde (APS), também do UHG. Segundo informação do jornal O Globo, a Fiord está registrada em um escritório de contabilidade, na zona leste de São Paulo, sem sede própria.

A manobra seria uma preparação para a venda da Amil. Segundo o Bank of America (BofA), o negócio pode ir de R$ 15 bilhões a R$ 20 bilhões. Em relatório, a instituição aventa a possibilidade de que a venda seja fatiada, com hospitais e planos sendo vendidos separadamente. No páreo estariam a Rede D’Or, do Hospital São Luiz, e a Dasa, rede de medicina diagnóstica e de hospitais sob comando do CEO Pedro Bueno, filho do fundador da Amil. Há, portanto, a chance de a operadora voltar às mãos da família. “Para Rede D’Or e Dasa, acreditamos que essa possibilidade faz mais sentido, pois adquiririam os ativos hospitalares e um possível segundo player como a SulAmerica ou mesmo o Bradesco adquiririam os beneficiários”, diz relatório do Bank of America. Unimed também é cotada pelo mercado para entrar na negociação. Em nota, a empresa disse que “a Unimed do Brasil esclarece que está sempre atenta aos movimentos do mercado e dialoga com todos os operadores, analisando oportunidades de negócio que complementem sua atuação e consolidem sua liderança no setor”.

Usuários do plano são barrados

A aposentada Shirley Pinto, 61, descobriu um câncer no pulmão e diz que não está conseguindo tratar adequadamente a doença no plano de saúde da Amil por causa da saída de um hospital referência no setor. Assim como ela, outros clientes reclamam de descredenciamentos de hospitais, confusão na orientação de pacientes e dificuldade de realizar até exames rotineiros.

Segundo eles, os problemas acontecem desde o fim do ano passado, mas os clientes associam tudo à transferência da carteira de planos individuais e familiares da Amil para outras empresas, realizada em janeiro deste ano.

A Amil repassou mais de 330 mil planos de usuários de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná para duas empresas: A APS (Assistência Personalizada à Saúde) e o fundo de investimentos Fiord Capital.

A APS pertence ao grupo United Health Brasil, que também é dono da Amil, e a Fiord é uma empresa fundada em novembro de 2021, um mês antes da troca de negócios.

Especialistas afirmam que o descredenciamento da rede só é possível em casos excepcionais, desde que haja substituição por opções equivalentes. A Amil negou irregularidades e disse que segue as normas da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). Leia a nota da empresa mais abaixo.

Sem hospital, pagou exame do bolso

Em novembro de 2021, a aposentada Shirley Pinto, 61, descobriu que estava com células cancerosas no pulmão. Após se recuperar do baque, ela ouviu do médico que teria de retornar ao Hospital Paulistano para passar por uma biopsia guiada por tomografia.

Ao tentar marcar o exame por telefone, soube que seu plano da Amil havia sido excluído do hospital. Sem encontrar opções disponíveis no convênio, Shirley pagou cerca de R$ 6.000 do próprio bolso para descobrir que seu pulmão esquerdo está com adenocarcinoma, um tumor maligno, em estágio inicial.

Ela abriu uma reclamação no site da ANS. Em seguida, a Amil solicitou o envio do pedido médico, mas demorou cinco dias para responder, segundo a paciente.

Com a confirmação, Shirley deveria ser submetida a dois exames adicionais para saber se o câncer seria extraído por meio de cirurgia ou quimioterapia. Mais uma vez, tentou agendar os procedimentos na página da Amil. Sem sucesso.

A aposentada, que aceitou conversar com o UOL sem exibir seu rosto na reportagem, iniciou 2022 sem saber como irá tratar o câncer. É cliente da operadora há mais de 10 anos e paga mensalidade de quase R$ 1.400.

Ela foi informada da chegada da APS em 27 de dezembro, dia da biopsia, e recebeu uma carta em casa com o mesmo conteúdo em 6 de janeiro.

Além da perda do Hospital Paulistano, outros hospitais e laboratórios foram eliminados do seu plano, como o Samaritano Paulista e o CDB (Centro de Diagnósticos Brasil).

ESTOU REVOLTADA POR SER IMPEDIDA DE ENFRENTAR UMA UMA DOENÇA CONTRA A QUAL POUCOS TÊM FORÇA PARA BRIGAR. COMO VOU GUERREAR SE NEM OS EXAMES CONSIGO FAZER?”, DIZ SHIRLEY, QUE DESEMBOLSOU MAIS R$ 800 PARA PASSAR NOVAMENTE NO MÉDICO.

O Procon-SP (Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor de São Paulo) recebeu 131 reclamações contra a Amil entre 1º e 18 de janeiro, nove a menos do que em dezembro de 2021. O órgão prometeu analisar a transferência de contratos para a APS.

A ANS registrou 2614 reclamações contra a Amil em janeiro, 13% a mais do que em dezembro de 2021. As críticas são voltadas para o atendimento, reembolso e gerenciamento de atividades como autorizações prévias, por exemplo.

Atendimento negado

A representante comercial autônoma Letícia Fantinatti, 55, soube que seu convênio havia sido repassado para a APS enquanto pesquisava um novo plano de saúde na internet. Um dia antes, em 20 de dezembro, ela buscou internação no Hospital Samaritano, que foi negada.

Letícia convive desde 2015 com falta de potássio, cuja origem não foi identificada, mas causa uma série de problemas, como cãibras, fraqueza muscular, alteração dos batimentos cardíacos e da respiração. Em uma dessas crises ela foi até o hospital, como sempre faz em situações mais graves, de três a quatro vezes ao mês.

Quando já estava na sala de triagem, foi informada que seu plano havia sido descredenciado do hospital. Ao ligar para a central de atendimento da Amil, ouviu que deveria procurar assistência no Hospital Paulistano.

Entrou em seu carro e dirigiu até lá para descobrir que também não havia atendimento disponível. “Eu queria chorar, estava em crise e não tinha potássio. Eu temia pela minha vida.”

Letícia não sabe mensurar quantos hospitais e laboratórios deixaram de fazer parte da sua rede. Não foi notificada da entrada de estabelecimentos substitutos à altura. Ela já buscou teleconsulta, só que a espera de até oito horas a desanimou. Seu convênio custa cerca de R$ 1.100 por mês.

Nas últimas semanas, entrou em contato com escritórios de advocacia para saber o que pode ser feito no seu caso. Ela pretende entrar na Justiça. “Eu não aceito essa transferência arbitrária.”

Exames básicos são recusados

Ana Karine de Almeida, 41, não consegue mais fazer exames de rotina. Ela começou a suspeitar que havia “uma movimentação estranha” em novembro, quando a autorização para um procedimento demorou 20 dias. Até então, era só elogios à Amil.

Cliente da empresa há mais de 15 anos, a gerente de uma escola de idiomas optou por um plano robusto que cobre uma rede hospitalar e laboratorial de ponta na cidade de São Paulo. Mora em Barueri, na região metropolitana, e geralmente se desloca até a capital para receber atendimento médico.

“Eu pago muito caro, e meu uso é muito baixo”, resume.

Ela desembolsa aproximadamente R$ 1.800 para bancar o seu plano e o da mãe, uma idosa de 66 anos. Até agora, perdeu atendimento em sete hospitais, inclusive o único disponível em Barueri.

Amil nega problemas

Procurada pelo UOL, a Amil disse em nota que só pôde informar seus clientes sobre a transferência à APS após a aprovação pela ANS, em 22 de dezembro. Disse também que não há irregularidades no serviço prestado aos clientes desde que passou o bastão para a operadora que faz parte do grupo United Health Brasil.

A Amil afirma ainda que as movimentações na rede credenciada seguem as normas da agência reguladora.

“A empresa reitera que não houve nenhuma modificação de rede credenciada e de contrato vigente com os beneficiários em função da transferência de carteira ocorrida no dia 1º de janeiro de 2022.”